Para analisar como se
constrói o preconceito linguístico, Bagno relaciona oito mitos que revelam o
comportamento preconceituoso de certos segmentos letrados da sociedade frente
às variantes no uso da língua, e as relações desse comportamento com a
manutenção do poder das elites e opressão das classes sociais menos favorecidas,
normalmente por meio da padronização imposta pela norma culta.
Mito nº 1
“A língua portuguesa falada no Brasil
apresenta uma unidade surpreendente”
Mito prejudicial à educação, por não
reconhecer que o português falado no Brasil é bem diversificado, a escola tenta
impor sua norma linguística como se ela fosse de fato comum a todos os
brasileiros. As diferenças de status social em nosso país explicam a existência
do verdadeiro abismo linguístico entre os falantes das variedades não padrão do
português brasileiro e os falantes da suposta variedade culta, que é a língua
ensinada na escola.
A Língua Portuguesa deve ser vista
como ela realmente é, uma língua de alto grau de diversidade causada pela
grandeza de nosso Brasil, fazendo com que ela se modifique em cada região, o
fato de a língua predominante ser a portuguesa, não quer dizer que ela tenha
uma unidade, pois a idade, a formação escolar-acadêmica, a situação
socioeconômica e outros fatores resultarão na fala de um indivíduo que é
consequência desse emaranhado de indicadores.
Mito nº2
“Brasileiro não sabe português/ Só em
Portugal se fala bem português”.
Para o autor, a afirmação acima
demonstra noção de inferioridade, sentimentos de dependência de um país mais
antigo e “civilizado”.
O brasileiro sabe português sim. O
que acontece é que o português brasileiro é diferente do português falado em
Portugal. A língua falada no Brasil, do ponto de vista linguístico já tem
regras de funcionamento, que cada vez mais se diferencia da gramática da língua
falada em Portugal. Na língua falada, as diferenças entre o português de
Portugal e o português falado no Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem
dificuldades de compreensão. O único nível que ainda é possível numa
compreensão quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua escrita
formal, pois a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças.
Conclui-se que nenhum dos dois é mais
certo ou mais errado, mais bonito ou mais feio: são apenas diferenças um do
outro e atendem às necessidades linguísticas das comunidades que os usam,
necessidades linguísticas que também são diferentes.
Mito nº 3
“Português é muito difícil”
Bagno disse, neste capítulo, que essa
afirmação preconceituosa é prima-irmã da ideia que ele derrubou, a de que o
“brasileiro não sabe português”.
Todo falante nativo de uma língua,
sabe essa língua, pois saber a língua, no sentido científico significa conhecer
intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento
dela. A regência verbal é caso típico de como o ensino tradicional da língua no
Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Por mais que o aluno
escreva o verbo assistir de forma transitiva indireta, na hora de se expressar
passará para a forma transitiva direta “ainda não assisti o filme do Zorro”.
Este mito gera um preconceito, porque
o português falado é diferente do português escrito de forma culta. O falado
está relacionando ao nível social, À região e ao nível intelectual. E o escrito
é baseado na gramática normativa.
Mito nº 4
“As pessoas sem instrução falam tudo
errado”.
Esse mito além de trazer um
preconceito linguístico, vem acompanhado de um social, de que as pessoas de
menor aquisição não sabem falar o português, não importa o quão letrado ele é,
mas o fato de ser pobre vai fazer com que as pessoas olhem como se ele de nada
soubesse. E tem mais, pode-se observar outro preconceito, o regional e este,
está sempre sendo alimentado pela mídia que desmoraliza certa região, como
acontece com os interiores do Nordeste.
Qualquer manifestação linguística que
escape do triângulo escola-gramática-dicionário é considerado “errado”, levando
em conta o preconceito linguístico.
Bagno explicou, o fenômeno da
palatalização-som da pronúncia da região para região no Brasil e que muitas
vezes é alvo de escárnios por pessoas que se julgam pertencer a um lugar
superior. Para o autor, o que está em jogo não é a língua, mas a pessoa que
fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Esse preconceito
linguístico é embasado na crença de que existe uma única língua portuguesa
digna.
Mito nº 5
“O lugar onde melhor se fala
português no Brasil é o Maranhão”.
Essa ideia de que o Maranhão é o lugar
onde se fala melhor português nasce do mito de que o português só ser falado
corretamente em Portugal, pois foi verificado no Maranhão o uso do pronome tu,
seguido das formais verbais clássicas, muito utilizadas pelos portugueses. Não
existe nenhuma variedade nacional e regional ou local que seja intrinsecamente
“melhor”, “mais pura”, “mais bonita”, “mais correta” que outra. Toda variedade
linguística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a
empregam. Quando deixar de atender, ela inevitavelmente sofrerá transformações
para se adequar às novas necessidades. “Toda a variedade linguística é também o
resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias
particulares.”
É preciso abandonar essa “balança” de
tentar atribuir a um local ou comunidade de falantes o ”melhor” ou “pior” e
passar a respeitar igualmente as variedades da língua, que constituem uma
preciosidade de nossa cultura. Não existe “língua pura” e sim uma variedade que
deve ser vista de forma correta pelos estudiosos.
Mito nº 6
“O certo é falar assim porque se
escreve assim.”
O autor explica o fenômeno da
variação, onde nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares,
assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico. A supervalorização
da língua escrita, combinada com o desprezo da língua falada, é preconceito.
Esse mito tem como maior colaborador
o sistema de ensino, pois é através dele que o aluno é obrigado a ler como se
escreve, não levando em consideração o ambiente do falante. É lógico que a
ortografia segue regras, devendo ser cumpridas, mas a fala não deve imitar a
escrita, pois como podemos perceber em nosso dia-a-dia o ser humano aprende
primeiro a falar e depois a escrever, sendo assim é uma hipocrisia afirmar que
a língua deve ser como a escrita.
Mito nº 7
“É preciso saber gramática para falar
e escrever bem“.
A afirmação acima vive na ponta da
língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em
muitos compêndios gramaticais. “A Gramática é instrumento fundamental para o
domínio padrão culto da língua”.
Este mito aborda uma das mais
delicadas questões do ensino da língua que é a existência das gramáticas, que
teriam como finalidade primeira a descrição do funcionamento da língua, mas que
fatalmente se tornaram, no decorrer do tempo, instrumentos ideológicos de poder
e controle social. A norma culta existe independente da gramática. Porém a
manifestação desse mito concretiza uma situação histórica: a confusão existente
entre língua e gramática normativa. Isso denuncia, segundo Marcos Bagno, a
presença de mecanismo ideológicos agindo através da imposição de normas
gramaticais conservadoras no ensino da língua.
Mito nº8
“O domínio da norma culta é um
instrumento de ascensão social”.
Esse mito como o primeiro é
apresentado porque ambos tocam em sérias questões sociais. O autor fez uma
crítica irônica dizendo que se este mito fosse verdadeiro, os professores
ocupariam o topo da pirâmide social, econômico e política do país.
De acordo com ele é preciso garantir
a todos brasileiros o reconhecimento da variação linguística, porque o mero
domínio da norma culta não é uma formação mágica que vai resolver todos os
problemas de uma pessoa carente, de um dia para outro.
Bagno mencionou que falar da língua é
falar de política e que se não for analisado desta forma, estaremos
contribuindo para a manutenção do círculo vicioso do preconceito linguístico e
do “irmão-gêmeo” dele o “círculo vicioso da injustiça social”.
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