segunda-feira, 24 de março de 2014

Markeane Oliveira



                                                       Preconceito Linguístico




Todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua. Não existe erro de português. "A ortografia é artificial, ao contrário da língua, que é natural. A ortografia é uma decisão política, é imposta por decreto, por isso ela pode mudar, e muda, de uma época para outra." Essas idéias são do linguista Marcos Bagno, da Universidade Federal de Pernambuco. Em seus estudos sobre o preconceito lingüístico, concluiu que os gramáticos tradicionalistas tratam a língua como uma coisa morta, sem considerar as pessoas que a falam. Verificou também que a língua é um tema político muito importante, pois mantém relações com determinadas formas de discriminação e exclusão.
Na segunda edição de seu livro Preconceito lingüístico - o que é, como se faz, lançado pela Loyola, Bagno faz uma análise de vários mitos sobre a língua, para depois apresentar os meios para combatê-los. Segundo ele, o preconceito está ligado à confusão entre língua e gramática normativa. "Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua", alerta o autor na abertura do livro.
Marcos Bagno explica que o preconceito lingüístico é mantido por programas de rádio e TV, jornais, revistas e livros didáticos, junto com uma série de afirmações, apresentadas e analisadas no livro. O primeiro tema examinado é sobre a unidade da língua. Bagno apresenta suas ocorrências, seu contexto e caráter prejudicial à educação. Ele ressalta que "ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma lingüística como se fosse, de fato, a língua comum a todos os 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização etc."
E sobre esse mito, envolvendo a idéia de unidade, Bagno explica que "o reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira "língua estrangeira" para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não-padrão".
São analisados oito mitos, dentro daquilo que o autor entende como preconceito lingüístico. Por exemplo, ele investiga as origens das afirmações "Português é muito difícil", "As pessoas sem instrução falam tudo errado", "O certo é falar assim porque se escreve assim", dentre outras.
Na segunda parte do livro, Marcos Bagno mostra como os mitos identificados são transmitidos e perpetuados na sociedade por um mecanismo de "círculo vicioso do preconceito lingüístico", formado pela gramática tradicional, pelos métodos tradicionais de ensino e, finalmente, pelos livros didáticos.
A terceira e última parte do livro aborda a desconstrução do preconceito lingüístico, a interrupção daquele círculo vicioso. Bagno propõe, por exemplo, reconhecer que o erro da gramática tradicional é, na verdade, um fenômeno com explicação científica perfeitamente demonstrável. "Se milhões de pessoas (cultas inclusive) estão optando por um uso que difere da regra prescrita nas gramáticas normativas é porque há alguma regra nova sobrepondo-se à antiga. Assim, o problema está com a regra tradicional, e não com as pessoas, que são falantes nativos e perfeitamente competentes de sua língua. Nada é por acaso", salienta Bagno.
Nas últimas palavras de seu livro, em que propõe dez cisões para um ensino de língua não preconceituoso, o autor fala sobre o ensino e de sua importância para o aprendiz. "Ensinar bem é ensinar para o bem. Ensinar para o bem significa respeitar o conhecimento intuitivo do aluno, valorizar o que ele já sabe do mundo, da vida, reconhecer na língua que ele fala a sua própria identidade como ser humano. Ensinar para o bem é acrescentar e não suprimir, é elevar e não rebaixar a auto-estima do indivíduo. Somente assim, no início de cada ano letivo este indivíduo poderá comemorar a volta às aulas, em vez de lamentar a volta às jaulas."




http://www.educabrasil.com.br/eb/exe/texto.asp?id=37

Nenhum comentário:

Postar um comentário